domingo, 16 de outubro de 2011

O verdadeiro: (ser) humano


Quando Pedro e Joaquim fizeram aniversário em 1997, receberam do pai ausente uma grande e avermelhada caixa azul, com envelope escrito : ''esse é o Tob, cuidem dele como se fosse um terceiro irmão, beijos papai.''
 Os meninos, primeiramente empolgados pelo tamanho da caixa, correram para desfazer as fitas que prendiam a tampa de papelão, e então desfrutar do novo presente.
- Um novo irmão, o que será?
- Deve ser um avião!
- Não fale besteiras Pedro, um avião jamais caberia nessa caixinha. - Joaquim, mais curioso, desfez os laços mais rapidamente e junto com o irmão pôde desfrutar do mais novo membro da família.
- Então, Tob é um cachorro?
- Um cachorrinho, que legal! – Pedro pôs as mãos na caixa, tomando-o em seus braços em um forte abraço, como se Tob fosse o mais desprotegido dos seres.
- Eu não gostei desse nome ''Tob'', não combina com ele. – Joaquim acariciava sua cabeça enquanto falava.
- Vejo que ganharam um Husky Siberiano. Ele tem cara de ''Pelos''. – disse o Sr.Jardineiro, aos meninos, enquanto regava suas flores.
- Então ganharam um cachorrinho, do papai? Que fofinho! Oi Pelos! – Laura apalpava o novo membro da família.
- Pelos é legal. – sorriu Pedro e logo Joaquim, rindo das mordidas inocentes do cachorro em suas mãos.
 A chegada de Tob, que agora se chamava Pelos, foi o inicio de uma longa série de aventuras. Fugindo das aulas de francês, piano e de retórica pelas manhãs, nadavam no rio junto com seu mais novo irmão. Nas noites de trovoadas, cobertos pelos lençóis protegiam um ao outro, no silêncio mútuo. Escondiam as melhores comidas para compartilhar entre si, corriam e corriam, eram crianças, eram irmãos.
 - O que você acha se eu pular de daqui? – Pedro estava em pé em um tronco quebrado de árvore, próximo à parte mais funda do rio.
- Eu acho melhor você sair daí. Laura disse poderíamos nadar no raso, nada, além disso. E está chovendo, fica mais perigoso, vamos voltar pra casa.
 - Ela não manda em mim, e nem você! – resmungou, tirando a camisa para pular.
- Pedro, Joaquim, vocês estão ai? O papai chegou, vamos! – alertou Laura.
- O papai! – gritaram juntos, correndo para a casa.
 Seu Carlos estava fazendo uma das suas visitas do mês, a última das duas que costumava fazer. Pilotando aviões e arrumando uma nova madrasta para os filhos, não tinha muito tempo para ficar em casa.
- Onde vocês estavam?
- Pai! – gritou Pedro abraçando-o, seguido de Joaquim.
- Oi meninos. – abaixou seu corpo para envolvê-los em seus braços.
- Estávamos no rio com o Pelos! Mas logo que soubemos que estava aqui, corremos o mais rápido possível.
- Correr não é algo muito educado, e cadê sua camisa? E sua educação? Você não sabe corresponder ao sobrenome que carrega nas costas?
- Pai...
- Vocês estão cheirando mal, quero os dois tomando banho e em dois minutos na mesa para jantarmos.  – Seu Carlos caminhou até a sala, sentando-se ao lado de Laura, intolerante.
- Sabia que eles são duas crianças?
- E o que você quer dizer com isso? – perguntou enquanto acendia seu charuto cubano.
- Fumar na presença de crianças não faz valer o sobrenome que você carrega nas costas. – O silêncio então ocupou o lugar até que os meninos, devidamente arrumados como queria o pai, voltaram. Sentaram à mesa, em seus lugares de costume e jantaram sem perguntas e sem respostas.
- Joaquim, como você é o irmão mais velho, é digno de ser o herdeiro de nossa companhia de aviões. – interrompeu o silêncio desconfortável.
- Até alguns segundos eu pensei que eles fossem gêmeos.  – atacou Laura, provocando.
- Você é mulher, só tem 17 anos não entende nada. Joaquim nasceu primeiro é ele que vai ocupar meu lugar nos negócios. Ainda é novo, mas já tem que aprender a ser um homem para sua futura função.
- E eu, pai?
- Você continue a mudar nomes de cachorros por ai. Olhe para você Pedro, não é capaz de nada, todos mandam em você.
 Acabaram de jantar sem trocas de palavras. Laura tocou um pouco de piano para Joaquim e Pelos na sala, seu Carlos ficou assinando papéis no escritório e Pedro optou pelo quarto, seu terceiro melhor amigo, para afogar suas ingênuas lágrimas.
  A noite, uma mágoa para o filho menor, fez com ele ficasse abraçado em seus travesseiros, chorando.  Ser minimizado por seu próprio pai, mesmo com sete anos de idade, doía. Cochilou, chateado, desejando o outro dia.
- Está na hora de dormimos, você não acha?
- Mas Laura, o papai não vai nos colocar na cama?
- Não bebê, o papai está ocupado – ela o pegou em seus braços, sonolento, e o levou até a cama, com Pelos latindo ao lado.
- Silêncio! Eu não posso carregar dois ao mesmo tempo! – Ela sussurrava, sem vitória para o cachorrinho ao seu lado. Depois de colocar Joaquim na cama, acariciou Pelos procurando a ausência dos latidos, mais uma vez sem conquista.
- O que você quer? Diz, ou melhor, late, mas late baixinho – sorriu Laura. Pelos puxou-a pela calça até a cama de Pedro, latindo em direção à cama.
- A entendi! Você quer ver o seu amigão, é isso? Ele está bem, olhe – Ela tirou o lençol que cobria a cama de Pedro e não encontrou nada além de panos.
- Ai meu Deus! – Pelos correu para fora da casa, latindo para ela, como quem dizia ''eu sei onde ele está, vem comigo''. Laura correu atrás dele, derrubando alguns vasos pelo caminho, fazendo com o que jardineiro, o motorista e a cozinheira acordassem e corressem com ela.
 Pelos, entre a chuva e lama ia em direção ao lago, como um pai preste a perder seu filho, sem parar, sem desistir, fazendo o seu máximo, pelo seu máximo. Os quatro o seguiam com uma certeza: ele sabia o que estava fazendo.
 A chuva forte agitava o rio e tornava o lugar difícil de enxergar qualquer rastro de Pedro, os quatro procuravam desesperadamente quando Pelos trouxe a camisa do menino, deixada no final da tarde.
- Essa é a camisa que ele estava usando hoje mais cedo, ele ainda deve estar aqui. – Disse a cozinheira.
- Vamos Pelos, vamos continuar procurando – sorriu com esperanças Laura, tentando animar não só ele, mas a si mesmo.
 Carlos e Joaquim chegaram alguns minutos depois, ajudando a procurar. A chuva amenizou, as águas estavam mais calmas e nenhum sinal do menino, desesperançado o pai.
- É, não há mais nada o que fazer, vamos voltar e arrumar tudo.
- Arrumar tudo o que? Arrumar o que? Vamos,me diga! – gritou Laura.
- Seu irmão morreu e foi levado pelas águas, aceite isso.
- Cala boca, cala a boca! – Preenchida pela angustia, ela o empurrava com toda força. – Sai daqui, você não merece procura-lo.
 Carlos saiu do local, chamando a polícia que logo ocupava toda a margem do rio. Os moradores da casa continuaram a procurar até o clarear do dia, incansavelmente. Só saíram quando foram obrigados pelos polícias, que só deixaram Pelos, que desde o dia anterior, permanecia imóvel, esperando seu dono.
 - Oi garotão, você está quieto. Você quer me dizer algo? – perguntava o policial, abaixado ao seu lado. Pelos não mostrou nenhum sinal de interesse pelo que ouvia, continuo imóvel olhando para o tronco perto da parte mais funda do rio, um dos lugares preferidos de Pedro.
- O que você tem ai? – O policial levantou o cachorro e pegou a camisa que ele estava deitado, ensanguentada. Não havia mais dúvidas.
 Todos saíram dali, policiais, parentes, empregados, fotógrafos, jornalistas, perícia, menos um, inconformado: Pelos. O corpo do menino foi encontrado preso a troncos caídos no rio, e de acordo com a perícia ele bateu em uma pedra, possivelmente depois de pular de algum lugar, lugar esse que só alguém ali sabia.
  - Você já sabia, não é? – perguntou o menino soluçando, trazendo Pelos para a casa. - Eu sei que você sabia – Joaquim sentou no meio do jardim com o cachorrinho e começou a chorar, abraçando-o.  – Não me deixe sozinho, por favor, não me deixe – ele sussurrava entre lágrimas com o rosto encostado no corpo do único que ainda o entendia. Laura os abraçou e chorou junto a eles, uma perda irreversível, incurável.
- Vou ficar mais tempo em casa – disse Carlos, aos empregados, após ver seus filhos, os que sobraram chorando.
- O problema é: as pessoas só tomam iniciativas em meio a perdas. Ás vezes os animais são mais humanos, do que os próprios homens. O cachorro, sendo o verdadeiro pai, foi o mais humano entre todos . – Ensinou o Sr.Jardineiro.

2 comentários:

Zazá :) disse...

que texto lindo, parabens.


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Zazá :) disse...

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